Balas, Bebidas e Jogos de Azar

A luz da vela oscilava, atingida por uma corrente quase imperceptível de ar.

A pequena chama esforçava-se por iluminar o tampo de uma mesa e era insuficiente para deixar claro que sobre essa haviam três objetos: uma moeda, um copo redondo cheio até a metade de um liquido avermelhado e um grande revólver.

Sentado à mesa, imóvel, um homem. Fitava hora o revolver, ora a moeda e parecia não se importar com os cabelos desgrenhados e sujos que lhe caiam pelo rosto a bloquear-lhe em parte a visão.

Fosse possível ler-lhe os pensamentos e veria-se que eram tão tranquilos quanto a expressão apática em seu rosto. Nenhum remorso, nenhuma dor, nenhuma saudade. Só um vazio, insondável, insensível, inevitável, insuportável.

Com um movimento lento e até desinteressado, o homem apanhou a arma sobre a mesa, mas não conseguiu ergue-la de uma vez. Calculara mal a força. Num segundo impulso mais arrojado, foi bem sucedido em desprendê-la da mesa.
Refletiu que uma arma tão pesada não deveria ser de grande utilidade. No entanto, outro pensamento açoitou-o lembrando-lhe que aquele era o revólver que ele mesmo utilizara por diversas vezes, para os mais diversos fins. E era na verdade, extremamente bem balanceado e leve.

Deixando de lado as lembranças, o homem ajeitou a posição do braço e a pistola mirou-se contra sua própria cabeça.
Sem delongas ou indecisões, puxou o gatilho. O cão bateu-se no fundo do tambor vazio, sem resposta.

O instrumento foi recolocado sobre a mesa, enquanto um suspiro escapava por entre os lábios secos e desanimados.
Os olhos do solitário pousaram-se então sobre a moeda e ele a pegou.

-Cara – disse ao vazio, enquanto a moeda saltava e começava a girar no ar, rodopiando cintilante, à parca luz. Acabado o impulso caiu, bateu sobre a mesa, balançou por alguns segundos e parou. Mais um corpo, imóvel, sem vida. O resultado: cara…

Dentes rangeram e o inconformado apostador empunhou a arma novamente contra o crânio e disparou. Duas vezes. Mas novamente o cão não encontrou eco ao seu ladrar metálico.

O silêncio do ambiente pareceu ainda mais pesado. Frustrado, o atirador ergueu o braço e tentou novamente, mirando o teto. Bang ! O cheiro sufocante e o som do estampido de pólvora explodindo encheram a sala. Uma pequena lasca de laje caiu sobre a mesa.

Aborrecido, o homem deixou o revólver sobre a mesa. Bebeu de um gole o wisky e murmurou entredentes, mal humorado:

-Sorte maldita.

O vento assobiou pela janela, e a vela oscilante se apagou.

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